Joaquim Ferreira dos Santos tem sempre razão :
E aí, beleza?
Eu vi a “Geração é isso aí, galera”, semana passada na entrega dos prêmios de videoclipe da MTV, e faço minhas as palavras de Caetano. Tomem vergonha na cara, honrem Johnny Rotten, urinem no túmulo de Jim Morrison e acordem para cuspir na careta desses VJs. Elvis Presley morreu gordo. João Gordo vai morrer magérrimo. Até quando a história do rock vai repetir que um garoto na rua não tem o que fazer além de se juntar a outros, montar uma banda para anarquizar os otários e depois falecer quietinho, com os burros cheios, no caixão de peroba de todos eles?
Vamos parar com essa gritaria de “u-hu” e “valeu, galera”. Isso aqui era um estacionamento cheio de som e fúria, hoje é um oásis de tranqüilidade e margaridas do campo, diz a bela música que Caetano Veloso cantou com David Byrne. E agora? Fica todo mundo aos gritos de “é isso, aí”, todos aplaudindo a premiação e o blablabá dos VJs de calças Armani rasgadinhas no joelho. Papo furado. O som está uma porcaria não é de hoje, e foi preciso um cara, que já devia estar acoplado a um Vienatone básico, botar mais uma vez os cornos acima da manada e gritar aos moleques que o rei é que está surdo. Ninguém está ouvindo nada. Deve ser culpa da touca Cavallera que o cara do Sepultura, depois de aumentar diabolicamente o som da caixa, desenhou para proteger as orebas dos consumidores e fazer o caixa. Fatura-se em todas as pontas. Custa crer. Tanto coquetel molotov no cavalo dos meganhas para se viver nessa imensa butique de imagens.
Eu queria ser jovem o suficiente para quedar quietinho na paz da minha tatuagem de cobra enroscada, curtindo o jeitão irado de ela ir descendo pelo ombro e cair de boca, a língua esticada, na aranha espalhada pelo cotovelo. Queria ficar na minha, falando um palavrão qualquer, como eu vi os moleques no programa, para fingir que continuo na contramão do discurso. Queria acertar com gel o arrepio exato do cabelo, como fez o Selton Mello. Mas eu vi, agora me lembro o que me traz aqui, eu vi a entrega dos prêmios da MTV e pasmei. Lamento que tenha se passado tanto rock and roll para tão nada. Tantas guitarras quebradas pelo Pete Townsend, a solidão tamanha da Janis Joplin, o tiro esquentado na orelha do Kurt Cobain, a piração que nenhum choque cura do Brian Wilson. Tudo desperdício e, agora se vê, apenas material para anúncio do novo Volks no intervalo VMB 2004.
Valeu o escambau, MTV. Se os Panteras Negras diziam “Queima, baby, queima”, os negões do hip hop em 2004 clamam pela “fé na humildade”. A rebeldia virou uma coisa velha, uma nostalgia de cara que já entrou nos enta, como esse Caetano 60, não se agüenta e solta o verbo pelos cinco mil alto-falantes. Ela não vai entrar nunca no Top 20, não faz o gênero de chegar na esquina e, como é bordão entre os menores de 20 anos, perguntar serelepe: “E aí, beleza?”
Eu vi a “Geração e aí, beleza?” no Vídeo Music Brasil, todo mundo interessado em não desagradar ao patrocinador da cervejaria, e sinceramente não acredito que o Marcelo D2 acredita que o negócio é “plantar o amor para se colher o bem”. Qualé, mermão ?, faça-me o favor. Beleza coisa nenhuma. Estão de novo em cena os jovens que vão matar amanhã a idéia ultrapassada que morreu ontem. E, se é assim, parodiando o discurso do velho baiano em 1968, estamos fritos.
Era uma geração que dizia não ao não. Derrubou as prateleiras, as estátuas, as vidraças, louças, e foi sucedida por outra, mais radical ainda, que via “no future”. Eis que agora surge, inteirinha no seu vídeo, a geração que se planta diante dos clipes jeitosinhos da MTV e diz sim ao sim. Todos em busca de um patrocínio maneiro, de olho no futuro que, além de existir, pode trazer uma sorte igual ao do VJ Rafa, escolhido num concurso público. “Ser jovem e morrer” ficava a sua vovozinha, aquela revoltada gritando bordões dos punks.
A juventude, como sempre se soube, é um verbo que se conjuga afirmativo e radical, mas sempre na forma negativa. Ouvi vaias contra uma baladinha da Sandy e Junior na festa. Achei pouco. Li sobre estudantes do Rio que foram às ruas semana passada protestar contra o elevador da faculdade que não funciona. Lamentei a dispersão de energia. Passaram-se as eleições, nenhum vereador se apresentou como articulador no legislativo das portarias jovens. Dei a questão como voto perdido e fui ao Festival do Rio ver o novo Bertolucci, “Os sonhadores”, sobre a revolução da estudantada de maio. O filme abre e fecha com trovões disparados pela guitarra de Jimi Hendrix.
Eu vi na MTV os garotos atrás da música, essa força sonora que fez diferente e deu norte à cabeça de várias gerações no passado. Depois de dezenas de popizinhos, depois de mais uma vez perceber que os caretas por trás dos botões ainda tentam escandalizar a platéia com duas mulheres se beijando e uma saraivada de “porras” gratuitos — eu voltei para a bela “(Nothing but) Flowers”, de David Byrne.
Caetano cantou e ninguém percebeu, primeiro por causa da porra do som e depois pelo embotamento geral dos sentidos, que a música sublinhava o vazio no furo dos piercings na pele da platéia e na língua dos apresentadores. Falava, com melancolia, como se perfilassse a platéia em frente, das transformações e do que fazer depois que elas chegam. “Não me deixa encalhado aqui/ Eu não me acostumo com esse estilo de vida”. E agora?
Os jovens da MTV, e todo ano eu dou uma geral na festa para ver como eles andam, têm os corpos sarados e as idéias gordas. Papai e mamãe deram permissão a todos os doces de sexo. Lambuzaram-se com a pimenta da contravenção comportamental nas últimas décadas. Saciados, cansados, aposentaram a dona rebeldia. Talvez só tirem o pijama se lhes for garantido que em troca vão ficar como o Marquinhos Mion, o VJ que tempos atrás apareceu do nada esculhambando a caretice da estética videoclipe e, depois de uns tempos afastado, reapareceu semana passada na festa do VMB.
Mion não zoou com a cara de ninguém. O bronzeado e o terno branco matariam de inveja qualquer bicheiro de Las Vegas. Seus dentes, que agora brilham, odontologicamente corretos, eram a mensagem. O futuro lhe sorriu
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