Rodrigo James, 35 anos, publicitário, jornalista, assessor de imprensa, dj amador, músico de computador, diretor de rádio lê, ouve, escreve, fala e respira cultura pop. Também atende nos websites www.programaaltofalante.com.br, www.portal180.com.br, no Orkut (http://www.orkut.com/Profile.aspx?uid=1365547244323894215), no MSN (tá bom que eu vou dar meu MSN assim assim) e está aberto a opiniões, crítica, chacotas e o que mais passar por sua cabeça. Ah, o email para contato é r.james@terra.com.br

sábado, agosto 16, 2003

Seria tão bom se fosse assim como prega o Marcelo Trasel nesse texto para o Fraude...

Sentimento sublime ou flor roxa que nasce no coração do trouxa?

por Marcelo Träsel

O Cardoso andou querendo saber o que é o amor de verdade. Esta resposta é dedicada a ele [1]:

- NÃO INTERESSA!

Muita gente anda por aí tentando encontrar o AMOR DE VERDADE. O caro leitor com certeza conhece algum caso de ótimo namoro que terminou porque um dos dois ficou se perguntando tempo demais se amava de verdade a outra pessoa. Aí cobrava provas de afeição, submetia o pobre companheiro às maiores aporrinhações e ofensas, só para ver se não sairia correndo - o que provaria o amor, em vez de simples bananice do cônjuge, numa lógica bizarra - e ficava perguntando às 3h da madrugada de terça-feira se ele[a] prefere dormir a discutir a relação.



Desde que Shakespeare escreveu Romeu e Julieta, as pessoas parecem ter decidido que amor sem sofrimento não é amor. Que se seu namorado termina com você e você consegue levar uma vida produtiva depois disso, é porque não o amava de verdade. Afinal, não sofreu como se aquele relacionamento fosse questão de vida ou morte - ou seja, como sofreram Romeu e Julieta. Claro, neste processo também se decidiu que só o amor verdadeiro é respeitável, o resto não serve.

Acontece que um relacionamento NÃO É questão de vida ou morte, digam Goethe e José de Alencar o que disserem. Quando muito, é a diferença entre uma vida um pouco melhor ou um pouco pior. Há coisas bem mais importantes a se fazer por aí, como se tornar um ser humano digno ou produzir coisas relevantes. A humanidade viveu milênios sem se preocupar se estava encontrando o verdadeiro amor. Até a Idade Média, um sujeito que amasse a esposa era motivo de chacota para os vizinhos. Muitas culturas continuam sem dar a mínima para o amor romântico nos moldes do ocidente. E continuam aí, firmes.

De mais a mais, outros relacionamentos sempre aparecem. Podem não ser tão bons quanto aquele namoro especial que você teve aos 20 anos, mas podem ser melhores em um ou outro aspecto. Porém, em uma sociedade de consumo é difícil aceitar a idéia de que você não possa ter aquilo que quer e se contentar com menos. Chega a ser esquizofrênico. Por um lado, as pessoas cada vez mais procuram relacionamentos sérios, tratam namoricos aos 15 anos como se fossem um casal comemorando bodas de prata. Por outro lado, qualquer defeito de personalidade, qualquer mínimo atrito é motivo de dúvida e separação.

Comprar um novo é mais fácil e barato hoje em dia do que mandar consertar. Defenestrar o namorado é mais simples do que se empenhar em conviver com os defeitos dele. Mesmo quando a pessoa não tem defeitos, paira o sentimento de que lá fora há algo novo e melhor, como gostam de dizer os publicitários. Não se contente com menos! Você merece mais! Não é preciso explicar a ninguém que tipo de problemas essa maneira de encarar as coisas engendra.

Os casamentos arranjados de antigamente parecem uma alternativa melhor, neste sentido. Primeiro, não havia o estresse causado pela incerteza. Já se conhecia o futuro de antemão. Depois, as pessoas eram obrigadas a encontrar dentro de si alguma boa-vontade em aceitar o outro, já que as conseqüências de uma separação até 50 anos atrás eram funestas. Quando o tédio inevitável - a não ser em casos de extrema sorte - aporrinhava por muito tempo, era só ir até a zona ou chamar o encanador. Tudo muito mais simples. A liberdade de escolha não está com nada.

Porque liberdade de escolha hoje em dia é enxergada como a NECESSIDADE de se encontrar uma alma-gêmea, viver uma paixão arrebatadora, e quem não consegue isso é um ser humano fracassado. Embora tentem nos fazer crer no contrário, ninguém é OBRIGADO a encontrar o amor verdadeiro nos itens do mostruário. Pequenos amores [2], aqueles feitos mais de amizade do que paixão, satisfazem tanto quanto e são mais fáceis de achar.

Quando Nietzsche e Schopenhauer inventaram de virar filósofos, deram as bases para que Freud criasse a psicanálise e, a partir daí, fodeu geral. Com a noção de um subconsciente agindo sobre nossas ações conscientes, passamos a questioná-las. "Isto sou eu agindo, ou meu subconsciente? Será que eu amo mesmo o Gilberto pelo que ele é, ou só porque é parecido com meu pai?" Estes questionamentos, aliados ao dogma mercadológico de o cliente sempre ter razão, acabam em choro e ranger de dentes.

E depois de milhares de caracteres digitados e pensamentos esparsos finalmente o leitor vai saber o porquê de não interessar a qualidade do amor que se está sentindo. Falando do ponto de vista da epistemologia, é impossível saber se um amor é verdadeiro ou não. Na verdade, do ponto de vista da epistemologia é impossível saber se as pedras, que são materiais, existem de verdade. Que dirá o amor, ente abstrato. Digamos que alguém descobrisse como é o amor verdadeiro: ainda assim, a pessoa não conseguiria transmitir a experiência tal como ela é para os outros e continuaríamos sem saber como se parece o amor verdadeiro. [3]

Pode ser muito interessante discutir filosoficamente as características do amor de verdade em uma mesa de bar, mas querer validar as coisas práticas por parâmetros ideais é uma receita certa para se dar mal. Um dos poucos lucros trazidos pela filosofia é entender melhor por que as coisas são como são - e como elas são -, mas a partir daí é preciso aceitá-las. Ou seja, é preciso aceitar que, mesmo tendo uma experiência de amor verdadeiro, ninguém nunca vai ter certeza disso. O melhor é esquecer o assunto e curtir seja lá o que estiver acontecendo entre duas pessoas.

- Mas papai, então como eu vou saber se uma relação é boa ou não?

Simples, crianças. Esqueçam por alguns minutos daquele anal-retentivo do Freud, passem a confiar em si mesmos e façam-se a seguinte pergunta: ESTOU ME SENTINDO BEM? Essa é a pergunta que realmente importa. Não interessa se o amor é verdadeiro ou não, assim como não interessa se o disco é pirata ou não; se tocar direitinho no CD Player e a música for boa, não tem por que complicar a coisa toda.

NOTAS:

"O amor é uma flor roxa que nasce no coração do trouxa", frase de Aparício Torelly, o Barão de Itararé.

1 - Na verdade o assunto veio à baila porque em poucas semanas tive diversos contatos com pessoas que são perdidamente apaixonadas por outras, ou estão de luto por um relacionamento que terminou. Confesso que paixões deste tipo sempre foram um mistério impenetrável a meu coração de aço Solingen. Como bom virgianiano com ascendente em capricórnio, costumo ver as coisas de maneira pragmática demais - o que afundou uma ou outra relação, é verdade. Se tiver de terminar um namoro, termino sem dó e não volto atrás. Se alguém decide não gostar mais de mim, faço o possível para mudar e situação, mas se não funcionar, fico deprimido uma semana e depois vou cuidar da vida. Só para que o caro leitor possa ler o texto com os devidos filtros instalados.

2 - Muito embora amores pequenos não existam. Olhe em volta. O mundo é cheio de som e fúria. Nenhum amor é pequeno.

3 - Se não acredita nisto, leia o Discurso do Método, de Descartes, as críticas da práxis e da razão pura de Kant, e alguma coisa da filosofia da linguagem. Uma alternativa meia-sola [ou seja, a que escolhi] é ler A História da Filosofia, de Will Durant.