Rodrigo James, 35 anos, publicitário, jornalista, assessor de imprensa, dj amador, músico de computador, diretor de rádio lê, ouve, escreve, fala e respira cultura pop. Também atende nos websites www.programaaltofalante.com.br, www.portal180.com.br, no Orkut (http://www.orkut.com/Profile.aspx?uid=1365547244323894215), no MSN (tá bom que eu vou dar meu MSN assim assim) e está aberto a opiniões, crítica, chacotas e o que mais passar por sua cabeça. Ah, o email para contato é r.james@terra.com.br

domingo, outubro 20, 2002

Publicado no Fraude :

A Metereologia do ruído

Perdemos a capacidade de pensar sobre música? - por Gabriel Menotti

A natureza é plena de harmônicos e discordantes, tudo é matéria disponível para um jogo de armar infinito. Diante do caos, o homem nada pode a não ser fazer música: dialogar o ruído do mundo com o silêncio de sua estupefação.

Acontece que perdemos tanto tempo procriando melodias em cativeiro que pensamos ter domesticado o ruído. Mas a música não é um bicho com princípio, meio e fim: a música não começa nem termina, os sons se interpenetram e se confundem desde que o disco começou a rolar.

A digitalização da realidade nos permite ler o mundo como um hipertexto multimídia, trans-tradutível. A partir de então, cada som passa também a fazer parte de um mesmo ciberespaço acústico onipresente, de onde a música emerge em cadeias efêmeras por permutação arbitrária.

A música é uma experiência emocional que só existe dentro da sua cabeça, ao conectar ruídos incoerentes numa forma concluída. Mas o ruído não se comporta - mais do que nunca o ruído está livre, ourobouros selvagem.

O ruído inunda cada aspecto da vida cotidiana, entope os sentidos, ruído ruim. Em si o ruído não é bom nem mau: ele simplesmente existe, esse é o problema e toda a solução. Caudaloso oceano de nuvens, precisamos aprender a negociar com ele, a prevê-lo e navegá-lo, ao invés de nos submetermos aos seus caprichos.

Cartas marítimas já foram traçadas, a rota das índias. Mas nela é impossível se locomover sem pagar o preço absurdo da Companhia Mercante, ou aceitar o roteiro de seus Galeões - a música deles. Sua coleção de tons, andamentos, compassos.

A música deveria ser uma experiência pessoal e particular, a sua trajetória através do ruído. Mas remar um barquinho contra a correnteza criada pelos motores de popa é perigoso, você pode acabar esmagado.

Por um lado, a pirataria: cresce a necessidade social de parasitar o sistema, a música é mais uma mercadoria a ser traficada. Mas de que realmente adiantaria retomar a estrutura de produção constituída, quando mesmo ela colabora para sonoridades coisificadas? Uma pessoa não precisa de um submarino nuclear para explorar as profundezas do ruído. Basta um snorkel. Ou prender bem a respiração. Coisa de pele.

Na medida em que cresce a intimidade homem-máquina, as tecnologias de produção deveriam ser incorporadas orgânicas, parte da gente – transformando o ruído em um espaço declarado de disputa e construção de sentido, jam session global. Mas o que acontece? Não só a música, como todos os aspectos da vida moderna vivem paradoxos de produção: a inteligência coletiva, esquizofrênica e autista, não consegue suportar o mundo sozinha, e se tranca apavorada dentro do armário.

A criança doente veste as roupas dos pais, sem saber que nunca vai chegar a crescer. Canções folclóricas se repetem como farsa, alegorias holográficas reanimadas por computador - essas fantasias não irão recuperar a cultura que nunca tivemos! A música não salva vidas, nunca salvou!

Os surdos continuam dançando, enquanto gritos se empilham sobre os loops assépticos, até que tudo desmorone de vez. O pop como ele deve ser: megahits de vida instantânea, que durem minutos: tempo o bastante pra gente acabar com a pista e depois mixar, sem fim, até transformar as paradas de sucesso em enormes chats caóticos!

Polifonia exuberante, canto do cisne que eternamente morre para retornar ao ruído: cada homem e cada mulher é uma station, mal-esperando que o inconsciente coletivo tome de assalto as ondas de rádio!

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Gabriel Menotti é jornalista.